Nota de Pesar
Meus Caros,
É com imenso pesar que escrevo que há já algum tempo morreram os grandes gestos. Na qualidade de qualquer-pessoa, título que agradeço profundamente estar em posição de poder usar, venho comunicar-vos o que foi decidido por decreto do senso comum: os grandes gestos já não se encontram entre nós e a sua espécie está oficialmente extinta.
Esclareço que o corpo não se tornou vão. A largueza dos braços é que não encontra os limites do problema. O problema cresceu tanto que já não o avistamos: engoliu-nos. Dirão, talvez, que as minhas palavras são pouco claras quando me refiro a tão concreta comunicação. São assim mesmo as palavras, e com elas abstenho-me de discutir.
Hierarquicamente, sabemos, a palavra supera-me.
Foram os mais sensíveis, pressentindo a sua desaparição, que inicialmente anunciaram - e pregaram mesmo!, - a sua grande angústia, entrando num luto profundo, muitas vezes apelidado de depressão. Depressão foi o que pressentiram!; um ligeiro declive, cada vez maior, que a perna não conseguia subir. Deixou de ser um degrau para ser um abismo. E ainda quando lhe viam o fim, gritavam - loucos poetas! - as vezes da salvação misericordiosa. Muitas vezes chamaram Deus a esse fio de luz lá no topo da depressão, e também por isso foram mal interpretados.
O velório não tomará lugar, tomará tempo e o enterro exigirá presenças de várias ordens - de espírito, de corpo e corpo no espírito e vice-versa.
No caso de não terem até agora notado a sua desaparição, abstenham-se de fingir presenças.
Isto não é uma inauguração.
Nota oficiosa à nota oficial:
Rafael levou-me há uns anos à distinção entre os que habitam o mundo das estruturas e os que cortam as próprias pernas para poderem rastejar por baixo das redes. Foi assim que ouvi, mas ele disse-o assim: entre os artistas há os poetas.
Também há redes subterrâneas, mas acho que é isso, no final, existir debaixo do chão.
Nota final:
Aos patifes: ARDAM NO INFERNO CABRÕES.